As manchetes não mentem: “Overdose de remédio teria provocado parada cardíaca de Michael Jackson”; “Heath Ledger, morre por overdose acidental por uso abusivo de analgésicos, tranqüilizantes e outras drogas com prescrição médica.” Casos como estes se repetem diariamente pelo Brasil e pelo mundo. O medicamento é uma arma poderosa e seu poder de cura é proporcional ao seu poder de morte. Os números de um estudo da Fundação Oswaldo Cruz são assustadores: 24 mil mortes anuais no Brasil são por intoxicação medicamentosa. De acordo com a Associação Brasileira das Indústrias Farmacêuticas (ABIFARMA), cerca de 80 milhões de pessoas são adeptas da automedicação, da má qualidade da oferta de medicamentos, do não-cumprimento da obrigatoriedade da apresentação da receita médica e a carência de informação e instrução na população em geral.
No contexto acima e na realidade atual em que o usuário de medicamento é um depósito de reações químico farmacológicas, estabeleceu-se o conceito de atenção farmacêutica, no inglês Pharmaceutical care, que é consolidado em 1990, com a publicação de um artigo pelos professores americanos Hepler e Strand que estabelecem três pontos chaves para o desenvolvimento da atenção nos pacientes: 1) Responsabilizar-se do resultado do tratamento farmacológico que se dispensa. 2) Seguimento do curso da farmacoterapia para poder conhecer esses resultados. 3)Compromisso direto com as pacientes para conseguir melhorar sua qualidade de vida com o uso de medicamentos.
Entendemos que o objetivo real da atenção farmacêutica é trabalhar com paciente através da: Dispensação de medicamentos, Indicação farmacêutica, Seguimento farmacoterapêutico, considerando a promoção da saúde e qualidade de vida.
Você sentiu algum estranhamento lendo a definição acima? Afinal, no Brasil quem dispensa o remédio é o balconista e esta atividade é meramente mecânica e muitas vezes comercial, quem nunca foi à farmácia comprar um medicamento prescrito e ouviu a oferta do atendente: “Mas a senhora não quer levar também umas Aspirinas, está na promoção!”. A indicação farmacêutica ou prescrição de medicamentos isentos de prescrição médica (MIPs), ainda não é regulamentada no Brasil, porém o direito exclusivo deste serviço está sendo discutido no Senado e segundo o CFF (Conselho Federal de Farmácia) a “Prescrição farmacêutica está a um passo da aprovação”.
Em países como Espanha e Canadá a realidade é completamente diferente. O farmacêutico é reconhecido pelos serviços que prestam a sociedade, numa pesquisa feita sobre “Os profissionais mais lembrados pela população”, o farmacêutico ficou em segundo lugar perdendo somente para os bombeiros. Nestes países a principal atuação do farmacêutico, é a atenção farmacêutica, o farmacêutico trabalha sobretudo nas farmácia e drogarias, prestando devida orientação antes de dispensar o medicamento e promovendo a indicação medicamentosa se necessário através da anamnese e estudo da sintomatologia do paciente.
Antes de um medicamento novo entrar no mercado, este passa pela Pesquisa Clínica, que através numerosos experimentos e etapas comprovam a farmacocinética, farmacodinâmica e toxicidade e eficácia terapêutica. Um paciente ao adquirir um medicamento acredita na máxima efetividade quanto à resolução de seu problema de saúde, porém freqüentemente durante um tratamento farmacológico, podem surgir muitos Resultados Negativos associados aos Medicamentos (RNM) que dificilmente são detectados pelo paciente. Por exemplo, comumente a reação adversa do Captopril (medicamento receitado para hipertensos) é a tosse, um paciente que utiliza este remédio dificilmente irá associar este sintoma com o medicamento. Dado situações como esta, surge a necessidade de um Seguimento Farmacoterapêutico que é conceituada como uma prática assistencial centrada no paciente, desenvolvida pelo farmacêutico, com o objetivo de detectar, resolver e prevenir RNMs, para alcançar resultados que melhorem sua qualidade de vida. Os RNMs podem ser conseqüência de interação medicamentosa, da posologia inadequada ou mesmo da falta de informação quanto a administração correta do medicamento. É importante que o seguimento seja documentado e continuado, objetivando coletar todas as informações necessárias sobre o paciente através do estreitamento da relação interpessoal com o mesmo. Deve-se criar uma empatia com o paciente, de forma que durante a entrevista este se sinta desinibido para contar a verdade e expor detalhes da vida pessoal. Somente quando se conhece detalhadamente o paciente, pode-se resolver e detectar RNMs e desta forma desenvolver uma intervenção farmacêutica que promova a melhoria na terapia medicamentosa e vida do paciente. Deve-se respeitar a cultura e os paradigmas do paciente quando for propor a intervenção e nunca se esquecer de priorizar os interesses do mesmo. A AFEP (Assistência Farmacêutica Estudantil Permanente), grupo composto por alunos de graduação da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara, surgiu em 2001 com o objetivo de oferecer um Seguimento Farmacoterapêutico aos pacientes atendidos pelo Programa Saúde da Família (PSF), atualmente desenvolvem um trabalho focado em pacientes que são usuários de mais de um medicamento, normalmente portadores de doenças crônicas que são atendidos pelo PSF do Bairro Jardim das Hortências em Araraquara.
O profissional que trabalha com Atenção Farmacêutica deve ser um “cuidador”. Entre os profissionais da saúde, o farmacêutico é o que consegue se aproximar mais do paciente, de forma a conhecer os reais questionamentos e detalhes que definem o sucesso do tratamento farmacológico. Este profissional deve desenvolver habilidades que estabeleçam uma relação de confiança e cumplicidade com o paciente. É essencial que o farmacêutico seja um bom comunicador,que faça uso de todas vias de comunicação: visual,verbal,não-verbal,tátil e escrita. E através do diálogo, deve-se atentar às necessidades do paciente e interagir para que possa repassar um conhecimento científico para populações diferentes de realidades sociais e culturais distintas. O paciente deve tornar-se co-responsável pelas intervenções feitas pelo farmacêutico, o conhecimento e sucesso do seguimento é construído em conjunto, deve-se dar ferramentas para o paciente identificar a importância de seguir o tratamento farmacológico recomendado, para que assim este não seja só um ouvinte, mas também participativo das conquistas quanto ao tratamento farmacoterapêutico e a qualidade de vida. Para isso é importante exercitar as habilidades como educador e contar um pouco sobre a doença que está sendo tratada, e esclarecer as dúvidas sobre os medicamentos, sempre priorizando como o paciente recebe as informações e o grau de confiança e responsabilidade de ambos.
A Atenção Farmacêutica é uma área de ampla atuação que desenvolve as habilidades humanistas do farmacêutico, através da gratificação de trabalhar com a qualidade de vida do paciente. É comprovado também, que este é um serviço interessante para os cofres públicos, pois reduz os gastos da Federação com medicamentos dispensados, uma vez que se promove a racionalização do uso destes, além de diminuir o número de internações desnecessárias relacionadas aos efeitos adversos dos medicamentos. O Brasil já dá os seus primeiros passos quanto a Atenção Farmacêutica, e futuramente acredito que a profissão do farmacêutico adquirirá uma “cara” nova, devido ao crescimento deste setor.
Referências
CORDEIRO, B.C; LEITE, S.N. O Farmacêutico na atenção à saúde. Itajaí: Universidade do Vale do Itajaí, 2005. 189p.
FAUS DÁDER, M. J.; AMARILES MUÑOZ, P.; MARTINEZ, F. Atenção Farmacêutica – conceitos,processos e casos práticos, 2008.RCN Editora
http://www.feifar.org.br/noticia.php?id=289 e http://www.crf-rj.org.br/crf/noticia/2010/6/prescri%C3%A7%C3%A3o_de_mips_por_farmac%C3%AAuticos_est%C3%A1_a_um_passo_de_ser_aprovado.htm
Autora: Tatiane Ribeiro - Coordenadora Geral
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